Archive for the 'Charles Baudelaire' Category

05
Jun
08

Charles Baudelaire – Le revenant

O espectro
Charles Baudelaire

Como os anjos, com olho furtivo,
Eu voltarei à tua alcova
E até ti me deslizarei sem ruído
Entre as sombras da noite;

E te darei, minha morena,
Beijos frios como a lua
E caricias de serpente
Ao redor de uma fossa rampante.

Quando chegar a manhã lívida,
Tu encontrarás o meu lugar vazio,
Onde até à noite fará frio.

Como outros para a ternura,
Sobre a tua vida e sobre a tua juventude,
Eu, eu quero reinar pelo terror.

*

05
Jun
08

Charles Baudelaire – L’horloge

O relógio

Charles Baudelaire

Relógio! Divindade sinistra, horrível, impassível,
Cujo dedo nos ameaça e nos diz: Recorda!
As vibrantes dores no teu coração cheio de terror
Cessarão brevemente como num alvo;

O Prazer vaporoso fugirá para o horizonte
Tal como uma sílfide para o fundo do corredor;
Cada instante te devora um pedaço da delícia
Acordada a cada homem para toda a sua estância.

Três mil seiscentas vezes por hora, o Segundo
Murmura: Recorda! Rápido, com a sua voz
De insecto, agora diz: Eu sou antanho,
E eu bombeei a tua vida com a minha tromba imunda!

Remember! Recorda! Pródigo! Esto memor!
(A minha garganta de metal fala todas as línguas.)
Os minutos, morte brincalhona, são gangas
Que não se podem deixar sem extrair o ouro!

Recorda! Que o tempo é um jogador ávido
Que ganha sem batota! A todo o custo! É a lei.

O dia declina; a noite aumenta: Recorda!
O abismo tem sempre sede; a clepsidra se esvazia.

Logo soará a hora em que o Divino Azar,
Onde a augusta Virtude, a tua esposa ainda virgem,
Onde o Arrependimento (oh, o último refúgio!)
Onde tudo te dirá: Morre, velho fraco! É muito tarde!

02
Jun
08

Charles Baudelaire – Danse Macabre

Dança Macabra
Charles Baudelaire

Como um vivente, arrogante de sua nobre estatura
Com o seu grande buquê, seu lenço e suas luvas,
Ela tem a indolência e a desenvoltura
De uma coquete frágil de postura extravagante.

Já se viu alguma vez num baile uma aparência mais delgada?
O seu vestido exagerado, no seu real esplendor,
Se vira abundantemente sobre um pé seco que oprime
Um sapato adornado, belo como uma flor.

O enrugado que joga à beira das clavículas,
Qual arroio lascivo esfregando-se no rochedo
Defende pudicamente das troças ridículas
Os fúnebres encantos que ela sabe ocultar.

Seus olhos profundos são feitos de vazio e trevas,
E o seu crânio, com flores artisticamente penteado,
Oscila apaticamente sobre as suas frágeis vértebras,
Oh, encanto de um nada loucamente enfeitado.

Alguns te tomarão por uma caricatura,
Sem compreender, amantes ébrios da carne,
A elegância sem nome da tua humana armadura.
Tu respondes, grande esqueleto, com todo o meu prazer!

Vens agora turvar, com a tua imponente careta,
A festa da Vida? Ou algum velho desejo,
Incentivando ainda a tua vivente carcaça,
Impulsando-te, ingenuamente, ao Sabat do Prazer?

Com o cantar dos violinos e as chamas das candeias,
Esperas expulsar o teu pesadelo burlão,
E vens implorar à corrente das orgias,
Que refresque o inferno aceso no teu coração?

Inesgotável poço de necessidade e enganos!
Da antiga dor eterno alambique!
Através do retorcido gradeado das tuas costelas
Eu vejo, ainda errante, o insaciável áspide.

Na verdade, temo que a tua coqueteria
Não alcance um preço digno de seus esforços,
Quem, entre esses corações mortais, alcança o embuste?
Os sortilégios do horror só embebedam os fortes!

O abismo dos teus olhos, cheio de horríveis pensamentos,
Exala a vertigem, e os bailarinos prudentes
Não contemplarão sem amargas náuseas
O sorriso eterno dos teus trinta e dois dentes.

Mas, quem nunca apertou em seus braços um esqueleto,
E quem nunca se nutriu de coisas sepulcrais?
Que importa o perfume, o vestido ou o penteado?
Aquele que se enoja demonstra que se crê belo.

Bailadeira sem nariz, irresistível trotadora,
Diz-lhes, pois, a estes belos bailarinos que se fingem ofuscados:
“Arrogantes galãs, apesar da arte do pó-de-arroz e do rouge,
Exalais todos a morte! Oh, esqueletos perfumados!

Antinoos murchos, janotas de rosto suave,
Cadáveres envernizados, lovelaces grisalhos,
O alvoroço universal da dança macabra
Os arrasta até lugares desconhecidos!

Desde os cais frios do Sena até às margens ardentes de Ganges,
O tropel mortal salta e se pasma, sem ver
A trompete do Anjo numa cavidade do tecto
Sinistramente boquiaberto como um negro trabuco.

Em todo o clima, baixo todo o sol, a Morte te admira
Nas tuas contorções, risível Humanidade,
E com frequência, como tu, perfumando-se de mirra,
Mistura a sua ironia com a sua insensatez.




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